quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Eu Caibo Numa Calça 40!


Moema, Zona Sul de São Paulo. Bianca sai de casa atrasada. Não pensa sequer em olhar para os dois lados antes de atravessar a rua. Sabe apenas que está atrasada e atrasos não fazem parte de seu itinerário. A calça justa não ajuda seus movimentos. Ela aperta suas coxas e lhe dá a sensação de que, por mais que corra, jamais sairá do lugar. E realmente ela nunca mais sairá da neura em que se instalou. A calça de número 43 é sua nova fixação. Quer destruí-la, quer acabar com ela, quer ser o Bush da calça. Por isso usa uma 40. Uma 40 que não lhe cabe. Uma 40 que lhe aperta as coxas e prepara campo para estrias e celulites. Estrias e celulites que lhe seriam releváveis, caso coubesse numa calça de número 40.

Pega um ônibus e entra afobada esperando que o motorista seja rápido e mal educado, não parando em metade dos pontos que lhe derem sinal. Infelizmente o motorista era ético. Parava em todos os pontos. Ético e lerdo. O relógio não parava de correr enquanto ela cantarolava, transtornada, Cazuza. “O tempo não pára. Não pára não, não pára!”. Chegou ao seu destino, meia hora atrasada. A calça 40 que usava já estava esticada a ponto de ser maior que uma 43. Possivelmente estava com a traseira rasgada, mas não se importou. Corria para ver se sua ambição já tinha sido arrematada. Correu e olhou a vitrine. Um sorriso estampou seu rosto ao ver que a calça azul de número 40 ainda não tinha sido comprada. Estava a 2 semanas admirando aquela calça 40. Uma calça que se recusava a comprar para que não a usasse e a estragasse. Uma calça azul escuro com brilhos discretos na bainha e um fecho dourado sem brilho e com um botão cravejado de falsos brilhantes. Tinha uma costura perfeita, sem linhas expostas, sem artes psicodélicas pseudo-modernas... Era uma calça simples e elegante, que cairia bem com qualquer jaquetinha preta ou com qualquer blusa Chanel que tivesse em seu guarda roupa. Não era uma Dolce&Gabbana, nem uma Gucci. Uma Chanel muito menos. “Chanel tinha horror a calças com brilho”, pensou. Era uma calça sem grife, sem marca, sem nome, sem dono. Ou melhor, tinha um dono. Bianca. Ela era sua dona por direito. Sabia que aquela calça fora feita especialmente para ela, sabia que ninguém poderia usá-la senão ela, sabia que se alguém a comprasse não saberia em que ocasiões usá-la. Enfim, era uma calça feita quase sob medida. O problema é que era 40 e, como já sabemos, Bianca tinha problemas com calças de número 40. Se achava mais magra por poder usá-las, mas no fundo sabia que estava mais gorda por ter toda aquela barriga saindo para fora. Mas estava decidida! “Vou emagrecer, vou caber nesta calça 40! Nem que pra isso eu tenha que fazer um pacto com o diabo!”. Não acreditava no diabo. Sabia que ela mesma deveria ser mil vezes pior que aquele que todos temiam. Já que a calça ainda estava ali decidiu voltar pra casa e lidar com sua dieta maluca que tirou de uma revista de beleza qualquer que achou escondida atrás dos livros de antropologia do padrasto. Estranho? Quem somos nós para julgá-lo?

Chegou em casa e correu para a cozinha. Preparou um prato de mamão, açúcar, banana, e bolachas de água e sal. Pegou um copo D’água e foi para o quarto. Leu em algum lugar que se comesse frutas com açúcar seguida de bolacha de água e sal seus organismos gastariam tanto tempo tentando digerir aquela loucura culinária que acabariam por desaparecer aos poucos e, com eles, sumiria a gordura. Também não podemos julgá-la. O desespero nos leva ao extremo do ridículo. O copo D’água era apenas um consolo, caso sua experiência não conseguisse ser digerida. Bianca estava esperançosa. Sabia que queria aquela calça e sabia que a conseguiria. Nenhum vendedor teria coragem de vendê-la. Todos já conheciam Bianca, que passava no mínimo duas horas por dia (e sete dias por semana) admirando e monitorando aquela calça. Todos a chamavam de “Garota da Vitrine”, porque eles a viam apenas pela vitrine. Nunca entrou na loja. Nunca tocou na calça. Mas sempre soube que era de número 40 e que deveria ser sua. Preço? Não se interessava pelo preço, afinal o cartão de crédito mágico do padrasto pagava tudo com um dinheiro que vinha de certas ilhas não identificáveis no mapa (quem somos nós para culpá-lo?).

Sempre soube que a calça seria sua. Consultou uma cartomante que jogou as cartas e disse-lhe: aquela calça que você tanto deseja será sua. Só o que a cartomante não foi capaz de precisar foi o número da calça que, de acordo com ela, era impossível de ser precisado pelas cartas. Os dias que se seguiram foram de total dedicação. Comia todos os dias mamão, açúcar, banana e bolachas de água e sal. Passou a desprezar batatas fritas, lanches do Mcdonalds, massas e qualquer outra fruta que não fosse aquela prevista em dieta. Não fazia exercícios físicos porque não queria que seus quadris alargassem. Comia e aguardava que a dieta fizesse resultado.

Um mês e meio após o início da dieta decidiu que era hora de comprar a calça. Era hora de vestir em seu corpo aquela calça 40 que lhe caberia como uma luva. Saiu correndo de casa, pegou o primeiro ônibus que apareceu e deu sorte. O motorista não tinha ética. Parava apenas em pontos que lhe fossem interessantes parar e estava despreocupado com a velocidade mínima no trânsito. Chegou na loja sabendo que seu dia estava perfeito. Entrou e foi cumprimentada por um dos vendedores, enquanto os outros cochichavam. “Será que hoje é o grande dia?” “Será que ela finalmente criou coragem?” “Será que aquela calça irá lhe servir?”. Pediu a calça da vitrine e correu para o provador. A calça demorou alguns segundos para chegar. Segundos que pareceram horas e horas que pareciam dias e por aí vai. Pegou a calça e a encarou. Olho no olho. Era hora da verdade. “Agora somos só nós duas calça. Eu e você. Sem cintas. Só você e eu!”. Despiu a calça que vestia com muita dificuldade. Iniciou o ritual do vestuário. Colocou a perna direita. Subiu a calça. Seguiu-se a perna esquerda. A calça não subia mais. Tentou com todas as forças e nada até que, com muito esforço e suor, conseguiu que a calça lhe entrasse. Olhou-se no espelho e uma lágrima caiu de seu rosto. “Eu caibo numa calça 40! Eu caibo numa calça 40!” gritava chorando de felicidade. Saiu do provador pulando e gritando “eu caibo numa calça 40! Eu caibo numa calça 40!”. Encarou um vendedor com um sorriso no rosto e disse-lhe: “eu caibo nessa calça! Eu caibo nessa calça 40!”. O vendedor disfarçou um sorriso sem graça. Ela gritava por toda a loja e todos os vendedores se entreolhavam sorrindo até que um deles, comovido pela pobre moça, acalmou-a e sussurrou em seu ouvido: “Essa calça é 45”.

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