domingo, 12 de outubro de 2008

Talento genial de Cartola não tem explicação.


Cartola completaria 100 anos ontem. Se vivo fosse, o compositor de As Rosas Não Falam e O Mundo É um Moinho certamente estaria gratificado por ver sua obra sendo saudada em discos e shows. Mas "Longa é a Arte, tão breve a vida", já disse outro gênio da música brasileira, Antonio Carlos Jobim, na letra de sua música Querida. A existência terrena de Cartola nem foi tão breve assim. Driblando as dificuldades de uma biografia guerreira, que o levou a sobreviver como guardador de carros em Ipanema (RJ) até ser redescoberto em 1956 por Sérgio Porto, o mestre viveu 72 anos e partiu no auge, quando o Brasil já cantava as suas músicas. Mas longa é mesmo a Arte - sobretudo quando feita com especial talento. E a obra de Cartola, burilada com perfeito acabamento poético e musical, é um desses casos cuja gênese não encontra explicação racional. Nascido pobre, no Morro de Mangueira (RJ), berço da escola de samba carioca que ajudou a fundar, Cartola parece ter composto suas músicas pautado por uma genialidade intuitiva. Sem estudo ou formação musical formal, o compositor lapidou sozinho jóias do alto quilate de Acontece, Autonomia e Cordas de Aço. A educação musical, se houve, foi a da vida do morro, berço dos bambas. Contudo, o refinamento da obra de Cartola nunca entrou paralelos dentro do Morro de Mangueira. E, mesmo fora, são poucos os compositores brasileiros que conseguem lhe fazer frente. Talvez porque, como os melhores bluesmen dos Estados Unidos, Cartola sempre tenha trazido consigo um lamento e um talento espontâneo que o ligam à África-mãe. Elo com a matriz de todos os sons que ficou mais evidente quando em 1974, já aos 66 anos, Cartola obteve a chance - inexplicavelmente tardia - de gravar seu primeiro LP, iniciando então carreira fonográfica que seguiria regular até sua morte, em 30 de novembro 1980. Ao cantar suas músicas, Cartola mostrou algo de ancestral na voz rústica. Morreu pobre, provavelmente sem receber os devidos autorais por uma obra que começou a ser gravada em dezembro de 1929 - quando Francisco Alves (1898 - 1952) entrou no estúdio da extinta gravadora Odeon para registrar Que Infeliz Sorte para um disco de 78 rotações por minuto - e atingiu seu pico de registros nos anos 60 e 70. Tivesse sua existência tido menos senões, Cartola poderia ter saboreado o inverno de seu tempo com justa calmaria financeira. Contudo, a riqueza maior, inexorável, reside no fino acabamento de obra laureada com a longevidade destinada apenas ao que é eterno. E a música de Cartola - palmas para o mestre - é eterna desde sempre.

TEXTO DE MAURO FERREIRA.

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