Eduardo chegou em casa tarde da noite. Ou quase. Era meia-noite e alguma coisa. Não dá para saber bem, afinal ele mal prestou atenção no relógio. A adrenalina tomava conta do seu corpo. Queria ligar para Mariana, queria ouvir a voz dela. Os dois tinham acabado de se ver, mas ele sentia saudade. Uma saudade louca e intensa que corroia todos os seus “eus” interiores, que desconsiderava todos os seus “nãos” e faziam ecoar os seus “sims”. Ele olhava para o relógio sem saber bem que horas eram, mas também não estava muito interessado. Pensou em ligar para Mariana mais uma vez, mas já devia ser tarde e, mais uma vez, os dois acabaram de se ver. Na verdade passaram toda uma noite juntos, ou quase. Estiveram juntos das 18h até meia-noite. Mas ele queria poder ouvir a voz dela. Com os ânimos já calmos, desprovidos da adrenalina que o deixara eufórico para ouvir ou rever Mariana, ligou a televisão. Não conseguia se decidir entre um canal ou outro, queria simplesmente que uma imagem de Mariana surgisse na televisão. Era tempo de Virada Cultural. Sábado à meia-noite ainda. Viu um trecho do show da Céu na TV Cultura, mas não se entusiasmou para ver o restante. Não que o show não fosse bom, de fato era, mas o momento não era o mais indicado para ouvir coisas como “bobeou na crença, príncipe, volta ao seu posto de lenda”. Era tudo isso que ele queria. Que Mariana voltasse a ser uma lenda. Uma lenda interiorizada em seu peito. Só sua e de mais ninguém. Aquele segredo que ele guardara por exatas duas semanas e revelou ao mundo se arrependendo logo depois parecia agora bem mais pesado. Eduardo e Mariana se viam toda semana e passavam algumas horas juntos, mas nunca se falavam. Faziam teatro juntos. Eduardo há mais tempo e Mariana há menos. Começaram a fazer teatro depois que já não se falavam. Para ele, ela era uma grande paixão – a maior de toda a vida. Para ela, ele era um colega passional e asqueroso – o menor de toda a vida. Graças a essa paixão, Eduardo perdeu amigos, o sorriso e a boa vontade, todos recuperados depois de algum tempo (com exceção dos amigos). Mariana, por outro lado, apenas perdeu tempo de ler as besteiras que Eduardo escrevia. Ela gostava do que ele escrevia, mas, depois da briga (que não foi pequena), nunca mais leu nada dele. Nem um simples e-mail.
Eduardo olhava fixamente para o telefone, tentando criar coragem para ligar. Até se lembrar que, num momento de tristeza, decepção, mágoa e uma pitada de raiva, apagara o número dela da agenda eletrônica. Tentava, com muito esforço, puxar o número na memória por algum tipo de arquivo afetivo, mas nada. Nunca foi bom em decorar telefones. Quando olhou para o relógio mais uma vez viu que já havia passado da uma da manhã. Notou que estava sozinho em casa, num completo breu. O que não era nada esquisito, afinal morava sozinho. Ligou a TV mais uma vez e deu de cara com Jair Rodrigues cantando o seu “deixa que digam que pensem que falem” durante a Virada Cultural. Mudou de canal não por desgosto, mas por curiosidade para analisar o que mais estava na TV. Mariana não saia de sua cabeça, mas alguma coisa lhe dizia para parar de pensar nela. Finalmente parou em um canal. Fox. Algum tipo de série norte americana passava na TV. Algo como Bones, ou qualquer coisa do gênero. Deixou a TV ligada enquanto fazia um miojo que achara jogado na última prateleira do armário. Enquanto fazia o miojo lembrava-se dos tempos em que freqüentava a casa de Marina. Lembrava-se de chegar às 19h e só sair depois das 23h porque viravam a noite conversando, rindo, escrevendo, trabalhando. Ela lhe oferecendo miojo e ele sempre recusando tudo que ela lhe oferecia. Não por nojo, mas por conveniência. Não queria dar trabalho e, talvez, bem lá no fundo, não queria que ela saísse de perto dele. Conversavam sobre os amores, a vida, trocavam opiniões sobre texto, discutiam sobre as aulas de dança que faziam juntos, ele sabia de histórias antigas dos tempos em que ela morou sozinha em outra cidade enquanto criança, via fotos antigas, descobriam coincidências da vida como, por exemplo, terem feito o pré-primário juntos sem nunca se perceberem, ou então terem cursado o primário no mesmo colégio, sempre esbarrando no recreio, mas sem nunca se dar conta do que o futuro lhes guardava. Eduardo sempre a via como uma ótima amiga. Ela, por sua vez, o via como um bom colega. E assim os dois iam levando.
Acabou Bones e Eduardo se dá conta que deixou que a água fervendo se tornasse apenas fumaça. Colocou mais água para ferver e tentou não cair na tentação das lembranças de novo, mas era mais forte que ele.
Se lembrou dos tempos em que os dois andavam juntos falando sobre o nada. Dos tempos em que passavam por docerias. Ela sempre com um saco grande de balas oferecendo insistentemente, ele sempre recusando. Apenas por educação. Passavam em diversos lugares juntos até perceberem que já estava ficando tarde e que cada um precisava voltar para sua casa. Eduardo a deixava em casa e seguia até a dele, que ficava apenas uma ou duas quadras de distância. O tempo que passavam no telefone também não era pequeno. Ele ligava para ela, muitas vezes no celular. Era a única conta que não se importava em pagar. Falavam de tudo um pouco, da viagem dele para Portugal, das malas extraviadas na volta, dos trabalhos dela e de todos os problemas e diversões que a vida os havia proporcionado. Era um dejà-vu delicioso os dois juntos. Afinal, se conheciam, mas não se lembravam. Ela ligava para ele e encomendava um texto: “Preciso que me faça um texto descrevendo São Paulo daqui há 20 anos!”. Ele fazia três e a enviava por e-mail. Não chegava e ela ligava de novo: “Salva num pen drive e venha pra cá!”. Ele ia. Os dois se divertiam juntos.
O miojo já estava pronto. Eduardo não sentia tanta vontade de comer, mas sabia que deveria comer alguma coisa, afinal não podia passar o dia inteiro de barriga vazia, por mais que o saudosismo lhe alimentasse não seria o suficiente. Enquanto comia assistia a alguma reprise de Cold Case, que adorava. Quando acabou Cold Case, a louça já estava na pia pronta para ser lavada. Mudou mais uma vez para a TV Cultura e se deparou com Elza Soares cantando “eu trago bananas pra vender, banana de toda qualidade, quem vai querer?”. Eram três da matina e Eduardo só conseguia pensar em Mariana. Tomou um banho quente e demorado, não queria sair de debaixo do chuveiro. Queria passar a vida toda ali, com a água quente escorrendo em todo o seu corpo. Mas o seu senso ambientalista falava mais alto, então, quando viu que estava se excedendo, saiu do banho, colocou seu pijama e decidiu ir ler antes de dormir. Lia Fernanda Young, sua escritora favorita, mas ainda assim não se desconcentrava de Mariana. A história que lia era romântica e saudosista. Eduardo, na verdade, tinha mais saudade da amiga em si que da amante que nunca conheceu. A amizade e a saudade dela falavam mais alto. Mas o rosto fechado dela para ele, as palavras frias, os olhares sem expressão, tudo isso o consumia também. Eduardo terminou de ler os 5 capítulos aos quais se propunha por noite e decidiu enfim ir dormir as 3 horas que lhe eram precisas. Estaria de pé logo de manhã cedo e precisava de forças para isso.
Mas, mesmo saudoso, foi dormir feliz. Sabia que estava fazendo certo avanço na reconquista da amizade. Não forçava nada e tudo iria acontecer no tempo que deveria acontecer. Eles já riam juntos das mesmas besteiras, trocavam palavras, ela o encarava e, quando ele olhava, o olhar já não era mais desviado com raiva. Sabia que poderia estar (re) conquistando a amiga.
Os dois iriam se encontrar de novo no dia seguinte. Ensaio do teatro. Eduardo foi dormir feliz, com esperança e vontade de escrever uma história que contasse todas suas emoções. Mas o sono era tanto e o computador estava tão longe que decidiu deixar para uma próxima vez. Colocou a cabeça no travesseiro, dormiu e deixou que os sonhos fluíssem para que essa próxima vez não tardasse a chegar.
Um comentário:
Oi querido amei Eduardo & Mariana, quero ver a continuidade, vai ser semanal??????
Coloquei duas perguntas a você no Perguntem-me!!!! Mas não tenho certeza que digitei no lugar certo!!!
Me havise se fiz besteira. Rsss.
beijos
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