Mariana acordou cedo. Não quis tomar café, estava enjoada. Havia se excedido nas doses de vinho na noite anterior. Não costumava beber, mas sabia dos efeitos da bebida. Ficara bêbada apenas duas vezes, e não tinha boas recordações (quando tinha recordações). Bebia sempre um copo de água após cada taça de vinho ou de qualquer outra bebida com álcool. Não ficava de ressaca no dia seguinte, apenas muito enjoada.
Pegou uma maçã na fruteira, uma garrafa com água filtrada e saiu para o trabalho. Na bolsa tinha apenas o essencial: escova de cabelo, contas a pagar, um livro da série Crepúsculo e R$ 20,00. Tinha nos ouvidos dois fones plugados ao celular. Ouvia alguma banda teen indicada por alguma amiga. Ia andando até o prédio onde trabalhava. Encontrava alguns conhecidos no caminho, mas raramente parava para iniciar uma conversa longa. Era sucinta. Se passava do “bom dia”, ela já ia se despedindo para não se atrasar. Tudo rondava sua cabeça, desde os trabalhos que deveria entregar naquele dia até os que levaria para casa para o dia (ou a semana) seguinte. Encontrava conhecidos na portaria, mas também pouco se alongava ao cumprimentá-los. A rotina era sempre a mesma. Era designer e se especializara em reformar interiores. Era uma pessoa extremamente paciente, porém decidida e exigente. Era orgulhosa também, mas esse era um defeito que gostava de esconder, mostrava-o apenas para aqueles escolhidos, como Eduardo. Não costumava perder tempo pensando em Eduardo, mesmo que o visse toda semana.
Entrou no prédio, subiu o elevador e, ao passar pela secretária, sentenciou apenas: “Por favor, me traga um remédio para enjôo. Não estou bem!”. A secretária era lerda, então Mariana, antes de entrar na sala, reforçou: “Agora!”. Comeu metade da maçã que havia pego logo no início da manhã, ameaçou terminá-la, mas não tinha estômago pra isso. Bebeu um gole da água, mas também não tinha estômago para ela. Esperava o remédio que a secretária ainda estava pensando em ir comprar. Abriu o laptop e começou a trabalhar no interior da casa de uma nova cliente. A mulher não sabia bem o que queria, mas tinha decidido mudar de ares. O marido tinha se matado na sala, e ela decidira mudar a casa toda: “A morte dele acabou com a minha sala e contaminou todos os outros cômodos!”. Mariana tinha liberdade para trabalhar a casa do modo que achasse mais interessante, afinal a viúva não opinaria por medo de que as lembranças que tinha do marido interferissem na mudança de um modo geral.
A secretária enfim chegou com o remédio. Mariana tomou uma cápsula a seco e voltou ao trabalho. O enjôo ainda era forte, mas ela tinha certeza de que aguentaria. Se levantou e foi até a janela para tomar um ar. O telefone tocou. Mariana não tinha vontade de ouvir a voz de ninguém, senão a da sua própria cabeça lhe dizendo que o sofá vermelho deveria estar no escritório do marido morto, e não na sala. O telefone continuou tocando insistentemente. Mariana apenas o encarava sem curiosidade de saber quem ligava. Parou de tocar. O alívio tomou conta de sua cabeça. Decidiu voltar ao trabalho. Quando se sentou o telefone voltou a tocar. Decidiu atender. Era Lucas, seu vizinho de sala. Ele estava desesperado. “Mariana, você guardou os arquivos do quarto do doutor Eugênio?!”. “Não, por quê?”. “Eles sumiram do meu computador!”. “Como assim sumiram?”. “Desapareceram! Eles estavam aqui ontem e hoje desapareceram. Os pisos, as cortinas, o guarda-roupa, todos os dados que eu tinha sumiram!”. “Mas por que você não fez um backup?”. “Eu fiz.” “Pois então?”. “Eu não encontro o Cd”. “Então espera que depois eu vou aí te ajudar. De nada. Tchau.”. Desligou o telefone achando graça do descuido do colega. Já não sentia mais tanto enjôo e o medo de ter uma dor de cabeça foi diminuindo. Chamou a secretária. “Sim, dona Mariana?”. “Ligue para o doutor Rigel e pergunte se posso ir até a casa dele ainda essa semana para decidir os móveis da sala de jantar.”. “Sim, senhora”. “Ah, e mais uma coisa, ligue para minha mãe e pergunte a ela se iremos almoçar hoje.”. “Sim, senhora.”.
Mariana tinha uma boa relação com a mãe. Desde que se separou do pai de Mariana, dona Cida se tornou uma mulher independente e forte. Mudou-se para São José dos Campos com Mariana quando esta ainda era criança. Quando retornou para São Paulo, sem Mariana, conheceu Carlos, com quem teve outro filho: Cristiano. Separou-se de Carlos quando Cristiano tinha 2 anos. Os dois viraram amigos. Cida era atriz, mas tinha se especializado como chefe de cozinha. Era cozinheira de mão cheia. Voltou para São José dos Campos e mandou Mariana de volta a São Paulo para estudar e viver com a tia, Ângela.
“Dona Mariana?”. “Sim, Rita, o que foi?”. “Sua mãe disse que vai almoçar com a senhora no restaurante de sempre. Disse que a senhora pode ir direto que ela a aguarda lá. O Doutor Rigel pediu para avisar que os móveis já foram escolhidos. Ele quer que a senhora o ajude a decidir a cor do piso.”. “Certo, obrigada Rita.”.
Tomou mais um gole de água e continuou a trabalhar na casa do defunto. O telefone tocou mais uma vez, Mariana atendeu no primeiro toque. Era Rita. “Dona Mariana, a senhora se importa se eu for almoçar um pouco mais cedo hoje?”. “Não, Rita, pode ir.”. “Obrigado”. Voltou ao trabalho e continuou se decidindo sobre o lugar mais adequado para o sofá vermelho que vira numa loja semana passada e achara ideal para o escritório do falecido. A viúva também adorou, mas preferia o sofá na sala. Quando decidiu fazer uma pausa, depois de umas duas horas, abriu uma pasta secreta no seu computador. Tinha diversas fotos na pasta, inclusive fotos do teatro que frequentava toda semana. Olhava atentamente as fotos, mas olhava especificamente para um único personagem da foto. Cássio.
Cássio e Mariana se conheceram quando ele, após ver uma das peças do grupo, ficara encantado e decidira pedir um espaço. Na verdade, entrou junto com Mariana. Os dos fizeram amizade de cara, e Mariana o admirava. Não era o tipo forte e atlético ao qual estava acostumada, tampouco muito inteligente, ou um bom ator, mas era mais velho e tinha um gosto apurado por rock. Conhecia o melhor do rock internacional, vivia de preto e pintava o cabelo das cores mais inusitadas possíveis. Mariana adorou a originalidade dele. Era peculiar, parecido com tudo que ela conhecia, mas extremamente diferente. Ele estava próximo dela. Tinha a língua enrolada e completa dificuldade para terminar uma frase, fazia o tipo “garanhão”, mas era extremamente songo. Era magro, tinha péssima postura e não conhecia as artes, mas não era burro. Era normal. E Mariana adorava o normal. As excentricidades ela deixava para lá. Eduardo era excêntrico, e Mariana não via tanto encanto nele. Estava apaixonada, mas nada muito intenso. Gostaria de estar com ele, mas não de ganhar flores, chocolates, ou que ele fosse buscá-la todos os dias em seus compromissos. Até porque ele não era desse tipo. Ele não tinha um tipo definido. E Mariana adorava. Mas ele não queria nada com ela. Via nela apenas uma mulher com quem poderia ter: ou uma noite de um prazer duvidoso, ou uma amizade calcada em futilidades pouco engraçadas. Escolheu a segunda. Achava Mariana atraente, mas imatura para seus padrões. Decidiu então não fazer nada a não ser entretê-la com seus conhecimentos peculiares e seu jeito de falar enrolado e difícil de ser entendido. Cássio não se interessava por ela. Não como seu irmão, Arnaldo. Ou até mesmo Eduardo. Arnaldo tinha uma paixão avassaladora por Mariana e ela sabia disso, mas não dava esperanças para ele, apenas brincava um pouco, mas só.
Mariana estava confusa e indecisa: não sabia mais se colocava o sofá vermelho no escritório para combinar com as paredes escuras avermelhadas, ou se pintava a sala inteira de vermelho para deixar o sofá ali e satisfazer a viúva. Decidiu fumar um cigarro e tentar se decidir na hora do almoço pedindo a opinião da mãe que, com certeza, diria que o sofá deveria ficar no escritório, dando a certeza que Mariana queria. Abriu a gaveta para pegar o maço de cigarros e as chaves do carro do escritório, que usava na hora do almoço. Dentro da gaveta se deparou com um livro que havia esquecido ali. Era um livro de crônicas, presente que Eduardo dera há alguns dias atrás. Na orelha de baixo do livro estava escrito: “Para Mariana. Com carinho. Eduardo.”. Ela encarou o livro por alguns instantes e se lembrou de alguns textos dele, lembrou-se de quão talentoso ele era e de como riram juntos falando de tudo. Desde os amigos até as bobagens que diziam juntos quando estavam com a mãe dela. Eduardo era amigo da mãe de Mariana, que também fazia teatro com eles. Eduardo a levou para o grupo e Mariana sabia disso. Uma pequena porcentagem dela era grata a ele por tê-la, indiretamente, apresentado ao grupo e aos palcos. Ela abriu o livro, leu a primeira linha da história (que ainda não tinha nem ameaçado começar a ler) e voltou a guardá-lo. Suspirou por alguns segundos e deixou que a idéia de retomar a amizade com Eduardo passasse por sua cabeça. Mas o orgulho retirou-a do pensamento rapidamente. Pegou o cigarro, as chaves, guardou o livro, fechou a gaveta e foi encontrar com sua mãe. Ao sair apenas disse: “Rita, se o doutor Rigel ligar diga a ele que estou no celular”.
Um comentário:
OLÁ QUERIDO, ESSA MARIANA É FOGO HEIM, ELA ESTÁ MUITO DECIDIDA EM RELAÇÃO A TUDO!!!!!!!
VAMOS VER AONDE VAI ENTRAR O POBRE EDUARDO NESTA VERSÃO.....
BEIJOS.
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