Ele já não sabia mais o que pensar. Estava realmente confuso. Mariana parecia cada vez mais próxima, mas ainda assim parecia distante. Eduardo não sabia se o problema era ela ou ele. Voltou a fazer análise. Duas vezes por semana. Duas horas por dia. Fazia questão de citar Mariana entre seus maiores problemas, e como a grande solução. Sua analista também começara a ficar confusa, mas conseguia acompanhar a história de Eduardo. Estava à par de tudo o que acontecia, não completamente, afinal Eduardo tentava manter algumas coisas incógnitas, não apenas de sua analista, mas do mundo. Aliás, talvez esse fosse o grande defeito dele. Querer ser reservado sem conseguir sê-lo. Era uma personagem que Eduardo fazia questão de tentar criar, mas raramente tinha sucesso. Era carente demais. Talvez não demais, mas o suficiente para deixar que as pessoas se aproximassem de sua vida a ponto de conseguirem escrever sua biografia, ocultando os detalhes mais sórdidos, claro. Uma porcentagem da culpa de ele voltar a fazer análise era justamente sua vontade de não expressar para ninguém além da sua analista seus desejos mais íntimos, suas dores amorosas, suas dúvidas referentes à Mariana. Tudo estaria explicito apenas à analista e, ainda assim, alguns detalhes seriam omitidos (não por pose, mas porque o próprio já não se lembrava de tudo). Depois das 20 primeiras sessões, finalmente conseguiu o que queria. Tornou-se um homem mais fechado no que diz respeito à vida pessoal. Todos saberiam o que quisessem da vida profissional, do teatro, do inglês e do italiano que ele tinha fluente, mas das dores de suas paixões, da saudade de Mariana e das lamúrias da vida, estas ninguém saberia. E ninguém mais soube. O problema é que Eduardo não soube diferenciar um homem fechado de um homem gelado. Vestiu prada. Passou dias e dias distribuindo respostas atravessadas a todos que ele achava inferiores ao seu intelecto culto e conhecedor de tudo um pouco ou de pouco um tudo. Mariana não percebeu a mudança e, se percebeu, não deu importância. Mas todos perceberam. Notaram o desequilíbrio psicológico de Eduardo, que acabou não dando em nada, já que a personagem nunca dura mais que uma temporada de, no máximo, uma ou duas semanas.
No divã ele falava de tudo, mas Mariana era seu tema favorito e, acredito, o da analista também. Ela – a analista – gostava de analisar as nuances de Mariana sobre o olhar de Eduardo. Gostava de imaginar a mulher forte e decidida, porém extremamente orgulhosa. Gostava de se apaixonar por Mariana nos olhos ardentes de Eduardo, que falava com paixão e carinho. Ambos sentiam uma paixão intensa por Mariana. Eduardo a paixão amiga, a saudade e a vontade de estar abraçado com ela numa junção de dois corpos. A analista sentia a paixão psicológica, fervendo por aquela personagem mentalmente desenvolvida por ter nascido mulher, mas ainda assim muito passional e impetuosa. Uma mulher dignamente fêmea.
Mas não era apenas de Mariana que Eduardo falava. Ele também sentenciava frases de alguns muitos minutos sobre Carolina. Ela fora sua melhor amiga e, hoje, é apenas uma amiga sobre quem não sabe mais nada. Os dois brigaram. Mas as boas lembranças reconfortam Eduardo. Gosta de falar também de Jéssica, outra amiga querida que perdeu quando se meteu a besta em declarar sua paixão por Mariana. Aliás, encontrou com Jéssica na rua dia desses. Passou sem olhá-la nos olhos. Não por raiva ou mágoa, mas um orgulho misturado com vergonha, nervosismo e felicidade por poder vê-la em sua frente. Passou sem sequer olhá-la e teve a impressão de que ela o encarara. Mas logo caiu na real e colocou na cabeça que tudo não passava de uma ilusão da sua mente carente.
Se deu conta de que o Nescau Fast estava acabando. Tomou dois seguidos e já estava terminando o terceiro. Eduardo adora essas bobagens feitas de chocolate que vão acabar deixando-o diabético. Decidiu tomar mais dois goles, dois goles profundos e intermináveis. Quando terminou o segundo gole sentiu na garganta aquela necessidade de beber mais, mas fez o que mais gosta: desobedeceu a vontade própria e guardou a pequena diversão liquida na geladeira. Pensou se Mariana gostaria daquele troço pelo qual ele estava se viciando. Os dois já gostavam de Mupy, seria mais uma semelhança entre os dois que, talvez, os unisse. Essa hipótese passou, claro, na cabeça de Eduardo que, bodiado pelo sono deu graças a Deus não ter que trabalhar no dia seguinte. Tirou uma licença para tratar de um problema no pulmão. Tirou o Nescau da geladeira e deu mais um último gole, apenas para se despedir com a honra lavada. Queria, depois daquele último gole, não pensar mais em Mariana. Ao menos não aquela noite. Escovou os dentes, fez xixi e se preparou para ir dormir. Entrou debaixo das cobertas, sacou do livro de Fernanda Young que estava lendo e decidiu que diminuiria o número de capítulos a ler. De 5 ele leria apenas 3, não por preguiça, mas por medo de perder algum detalhe importante e irrecuperável da história.
A analista disse apenas o que todos já diziam: converse com ela. Mas a interrogação que pairava pela cabeça de Eduardo era a mesma desde que ouviu o conselho pela primeira vez. Como falar com ela? “Mariana, oi, eu sei que não estamos nos falando, mas podemos conversar?”, não, muito desconexo. “Mariana, eu preciso falar com você, é caso de vida ou morte!”, não, muito dramático. “Mariana, porra, nós vamos voltar a nos falar ou não?!”, não, muito agressivo. Talvez um simples: “Mariana, podemos conversar?” dito em voz baixa, porém audível e determinada, funcionasse. Então estava decidido. Em julho falaria com ela. Estavam em maio, mas ele não quis apressar nada. Tudo há seu tempo. Eduardo odeia o tempo. Diz que passa devagar demais enquanto se diverte com o sofrimento alheio. Deixa o consultório da analista com essa idéia fixa, toma um táxi sem saber que entrou em um e diz um endereço sem perceber que disse um. Acabou num shopping de um bairro nobre de São Paulo. Pensou em almoçar, mas já eram 17h, então pensou num lanche, mas já eram 17h. Decidiu pegar um cinema, mas as sessões para as 17h estavam lotadas. Ele poderia entrar na sessão das 16:30 e assistir o filme da metade para o final (o que odiava). Também não queria esperar pela sessão das 17:45, então decidiu comprar algum livro. Não achou nada interessante. Todos os livros que via envergavam apenas o nome de Mariana, estampado em todos os livros de todas as brochuras, capas, cores, formas, etc. Decidiu então pelos DVD’s. Levou o novo da Madonna, um mais antigo do B.B King e um quase recente da Diana Krall. Do cenário nacional escolheu Adriana Calcanhotto (de quem tinha quase todos os álbuns), Teresa Cristina e, para a surpresa de todos, inclusive a sua, Lenny Andrade. Pensou em levar o novo da Amália Rodrigues, mas desistiu ao se lembrar da última vez que ouvira fado. Acabou despejado do apartamento por perturbação da ordem pública, só porque aumentou no último volume do som à meia-noite.
Se sentiu tão sozinho que decidiu ficar sozinho em casa. Pelo menos lá tinha a companhia dos objetos que conhecia, não como aqueles objetos do shopping ou do consultório da analista.
Pegou no sono antes de perceber que a HBO exibia um documentário sobre a criação da Times Square. Sonhou com Mariana e Jéssica. Há muitos tempo não sonhava com Jéssica. Sentiu remorso e forçou tanto que Carolina também entrou no sonho acompanhada da analista e da mulher que lhe auxiliou na compra do álbum do B. B. King.
Um comentário:
Parabéns, amei de paixão, me senti o próprio Eduardo, aquele ser humano que acredita em todo mundo e vai se abrindo de corpo e alma, depois se ferra.
Não fiz analise, mas vou tentar seguir o que ele fez sobre as outras pessoas.
Meu querido a Mariana pelo que entendi n. está com nada faz parte do grupo "venha a nós".
Amei.
Beijos
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