Bruno Cavalcanti: Como surgiu a ideia de criar uma CIA de teatro?
Mário José Cutolo: A ideia surgiu quando um orientador de uma casa espírita me pediu para que eu formasse um grupo de teatro dentro da casa. Então surgiu o projeto em 2005 e começamos a trabalhar efetivamente em 2006.
BC: Como o teatro entrou efetivamente em sua vida?
MJC: Em 1994 escrevi uma peça de teatro para um grupo de uma outra casa espírita e fui convidado a fazer parte deste grupo definitivamente, comecei como dramaturgo e passei a atuar em seguida. Desde então minha vida ficou ligada por inteiro ao teatro. De escritor a ator e cheguei a direção. Três ações das quais eu gosto muito e me completam como ser humano.
BC: A CIA surgiu com peças espíritas e depois foi ganhando novos ares e temas. Como e porque aconteceu essa mutação?
MJC: Essa mutação é normal dentro da Cia. Nossas peças espíritas sempre foram mais expressivas no contexto, saímos do teatro didático espiritual e começamos a trabalhar a linguagem teatral com mais profundidade. Com o tempo vimos a necessidade de explorar outros temas, ganhar mais conteúdo e naturalmente nossas peças começaram a ganhar outros contornos, sem contudo descaracterizar nossa natureza de algo ficar para o público. A mensagem fica. E essa mudança vem refletir uma necessidade nossa de explorar mais o fazer teatral, a interpretação, conhecer outros caminhos, outras dialéticas, conversar com a plateia universalmente, uma precisão natural. Podemos fazer uma peça espírita, contudo ela sempre terá algo mais além do que é considerado espiritismo. Nosso trabalho é ir além do que conhecemos e atingir mais objetivos.
BC: O público hoje em dia está ligado ao teatro? Os avanços tecnológicos ajudam ou atrapalham a assiduidade do teatro.
MJC: Hoje em dia precisamos ainda conquistar o público jovem. A plateia de teatro é muito intelectual, de adultos maduros, senhores e senhoras. Há uma necessidade de atingirmos a periferia, e ao mesmo tempo buscar nos centros urbanos a juventude com peças que falem a linguagem deles, explore seu mundo, e também de levar os clássicos, o teatro de bons textos para todos. A tecnologia é essencial porque cria novas possibilidades dentro do contexto teatral atual. Usar com bom senso os vídeos, danças, músicas, o que mais ser possível nos ajuda a termos uma nova linguagem cênica.
BC: CIA de Artes Alma Espírito que já foi CIA de Artes Monteiro Lobato e Núcleo de Artes Monteiro Lobato. Essa evolução gradual se deu a que fator?
MJC: Essa mudança reflete alguns fatores. Primeiro de usarmos o nome de Monteiro Lobato e termos problemas com direitos autorais e também por não podermos registrar o nome dele como marca, então partimos para uma busca de identidade tanto no nome como na marca, no logo que fosse nossa personalidade. Chegamos a Alma Espírito pelo fator que o nome é o reflexo de nossos trabalhos e objetivos dentro da Cia, interpretar a alma humana, ser o espírito com suas buscas, seus defeitos e virtudes. Nossa Cia tem como base maior em nossos espetáculos o ser humano na sua abrangência geral. A alma viva na Terra e o espírito em outra fase da vida, mais sutil, lidamos como os dois lados da moeda. Somos todos alma espírito!
BC: Quais os critérios para um ator ser realmente um ator e não um enganador em sua opinião?
MJC: Primeiro ponto é estudar seu ofício com muita disciplina. Ser profundo conhecedor do ser ator. Ler muito, estudar seu texto, conhecer sua personagem, se dedicar a ela nos ensaios, na apresentação. Saber respeitar o outro em cena, ouvir seu companheiro, saber usar um caco, saber improvisar, ajudar um ator em apuros. Sua atividade não é só decorar, um decorador de textos não é ator. Um ator precisa ser verdadeiro em cena, o público precisa ver a personagem, sentir sua emoção, seus sentimentos, e isso requer trabalho, estudo, concentração, disciplina, técnica e intuição. Além disso, um ator completo deve saber além de interpretar, dançar, cantar, falar bem, e ter postura em cena. E nunca deixar de ser humilde e simples, conversar com seu público, estar próximo dele, porque o ator necessita do público, sem ele, sua profissão não existe.
BC: Por mais que o teatro seja algo cultural e necessário, o alto custo dos ingressos o torna quase inacessível a grande massa da população (assim como o cinema e os museus tem se tornado ultimamente). Por que você acha que há este preço elevado nos custos dos ingressos?
MJC: Primeiro a produção de um espetáculo seja qual for é custosa. Não há patrocínios fáceis. Os teatros cobram aluguéis abusivos dos atores para apresentações, e segundo mesmo sendo um benefício a muitos, a meia entrada, para classe artística é um mal porque esse desconto se perde e então é necessário encarecer o ingresso para que haja algum rendimento para a produção. Em minha opinião a classe teatral é muito desunida, falta força para melhorar as condições de produção para que todos possam ter espaço, é cada um por si e quem já conquistou seu espaço tem medo de perder é muito complicado e com isso o público sofre por pagar carão ou por não poder ir.
BC: Mário José Cutolo como público. Qual sua peça favorita?
MJC: Difícil são muitas, mas destaco Zoológico de Vidro como drama, excelente texto, e a montagem com a Cássia Kiss estava ótima, um drama familiar que mexe nas raízes profundas de todos nós, quem sabe eu ainda não monte esse texto, ele é inspirador por ser poético também. E como comédia há várias também, mas uma que gostei muito pela versatilidade, por brincar com os truques do teatro foi 39 Degraus ritmo excelente, tempo de comédia de todos bem realizado e os cacos e surpresas ocorreram todos os instantes, foi um show de corpo e expressão juntamente com a voz. Bem dinâmica.
BC: Você é um cinéfilo? Noveleiro? Quais as influências do cinema e da TV em sua vida?
MJC: Sim sou cinéfilo, Fellini, Vitório de Sicca o bom cinema italiano que mostra nossas loucuras em família, são excelentes e acho que puxo um pouco deles. Hitchcock, o mistério e o humor bem definidos nas obras, tento deixar marcas desse tipo em minhas direções. François Truffaut e seu cinema moderno com meta linguagem é referência para mostrar os truques do teatro. E Steven Spielberg é o lúdico a fantasia. Noveleiro sempre fui, por um tempo deixei de assistir um pouco as novelas hoje faço escolha não assisto todas mas lógico que da época que via todas de todos os horários ficaram influências claras de autores que até hoje são marcas: Cassiano Gabus Mendes com seu jeito sutil de criticar a sociedade com humor, Janete Clair com seus dramas épicos, rocambolescos, Ivani Ribeiro, com suas histórias de amor, fantásticas, espiritualidade, natureza, ela sabia misturar muitos temas sem cair no ridículo, Dias Gomes e a sátira da vida, Bráulio Pedroso e seus anti-heróis, Silvio de Abreu com suas comédias loucas, Gilberto Braga e sua crônica urbana, a maioria aí subiu para o outro andar, e tem os novatos autores como Duca Rachid e Telma Guedes que tem brindado com textos que contém ação, vida, romance e muitos assuntos, Fernanda Young e Alexandre Machado com suas tiradas geniais e que refletem nossas manias mais esquisitas. Maria Adelaide Amaral que escreve textos primorosos. Enfim eles todos de alguma maneira acabam por influenciar na hora da criação e ao mesmo tempo crio um estilo próprio. Ler outros autores é fundamental, e textos teatrais são inspiradores também.
BC: Fora do teatro, como é o Mário dono de casa tratando de afazeres domésticos?
MJC: Sou normal, faço tudo o que é necessário gosto de cozinhar, o resto faço por necessidade.
BC: Das peças já montadas há alguma que você pense: esta é a minha favorita, meu xodó a preço de ouro. E há alguma que você se arrependa de ter montado? Se sim, por quê?
MJC: No conjunto de peças que realizamos Estado Gasoso é uma das minhas favoritas por ser comédia, um meio musical com danças e onde o moderno e o antigo se misturam com bom senso, ela é um caminho que seguimos desde então, quem sabe não voltaremos à ela um dia? Nossa última produção Nós Somos Encantados ficou aquém do que imaginei, faltou um bom espaço para realizá-la, interpretações foram medianas, não atingiu o que poderia, essa faço questão de esquecer e demorar muito para remontar se isso acontecer.
BC: Agora para encerrar á lá Marília Gabriela. Mário José Cutolo por Mário José Cutolo? E uma frase, música, pensamento, qualquer coisa do gênero.
MJC: Insano, louco, nada convencional. Frase: Deus me livre de ser normal. Não me lembro a autoria. Música “The Way we Were”; Pensamento seria: Nunca devemos desistir, insistir, sermos perseverantes em nossos sonhos e ter o bom senso de descobrir quando não podemos fazer o que gostaríamos, mas podemos seguir outros caminhos.
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